AS CRIANÇAS E A PUBLICIDADE

AS CRIANÇAS E A PUBLICIDADE 
A maior violência praticada através da televisão contra as crianças talvez seja invisível. Refiro-me à avalanche de mensagens publicitárias dirigida aos pequenos como se eles fossem, de fato, um público consumidor. Desde há alguns anos, uma série de produtos infantis têm sido anunciados através da televisão em horários matutinos e vespertinos. As mensagens manipulam o desejo das crianças e as induzem a possuir "signos de felicidade" na forma de marcas de produtos, brinquedos, jogos, ou mesmo roupas de grife. Tudo parece tão inofensivo e natural que poucos se dão conta de que essas mensagens são captadas diariamente por milhões de crianças pobres. A televisão, como se sabe, é, no Brasil, um produto mais popular que as geladeiras. Ora, parece evidente que os estímulos ao consumo dirigidos às crianças cujos pais não podem comprar a última sandália da Xuxa ou o mais fascinante videogame só podem produzir frustrações crescentes. Alijadas do consumo, mas convencidas de que a posse daquelas bugigangas todas é o equivalente à inclusão social, as crianças das nossas periferias experimentam, radical e precocemente, alguns dos nomes da tristeza. Melancolia, depressão, sentimento de inferioridade, estão entre eles. Elas sabem que não terão acesso à grande maioria dos bens e serviços oferecidos pela telinha e sabem, também, que algumas crianças usufruem deles. O que elas não sabem é que essa injustiça não é um castigo e que elas ou seus pais não são culpadas por esse resultado.

Um olhar mais atento sobre alguns dos fenômenos aparentemente incompreensíveis da violência contemporânea permitiria identificar nessa infelicidade original de tantas crianças o começo de um processo de subjetivação que, em alguns casos pelo menos, será bastante funcional à produção de adolescentes violentos capazes de matar alguém por um tênis da Nike. "-Matam por um par de tênis", é o que exclamam tantos formadores de opinião sem que se dêem conta de que o objeto do crime e da covardia praticada é, na verdade, a promessa de pertencimento e cidadania que a marca oferece e que o modelo econômico proíbe.

Há aqui uma vilania que deveríamos elencar entre o intolerável no mundo contemporâneo. Produtos infantis - sejam quais forem - só poderiam ser anunciados para o público adulto. Os adultos, afinal, são aqueles que podem tomar decisões sobre o consumo e que, por definição, devem decidir sobre o que é adequado ao consumo de suas crianças. Essa posição, positivada pelos suecos em uma legislação específica sobre televisão onde se estabelece que produtos infantis só podem ser anunciados em "horário adulto", foi incorporada por mim ao projeto de lei que apresentei na Câmara dos Deputados e que pretende a introdução de um código de ética da televisão brasileira. Penso que avanços dessa natureza devam ser introduzidos tão rapidamente quanto possível o que dependerá, por evidente, do apoio dos cidadãos e cidadãs comprometidos com o futuro do Brasil.
Por:  Marcos Rolim
08-04-02

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