Estilistas da Nike vão ao Harlem e deixam seus tênis entre os
garotos negros. Então perguntam: - "E aí, bro, que tal?" Ouvem
atentamente e depois copiam o estilo das ruas encomendando sua
produção a fábricas na Ásia. Em 1992, pagaram 20 milhões a Michael
Jordan; mais do que a folha de pagamento dos seus 30 mil trabalhadores
na Indonésia. Gap, Guess, Old Navy são marcas que distinguem roupas
confeccionada por mulheres que podem viver, por exemplo, nas Filipinas.
Nesse caso, deverão portar sacos plásticos para urinar junto as suas
máquinas. Enquanto isso, etiquetas da Baby Gap transformam bebês em
mini-cartazes e a Pepsi planeja projetar, um dia, sua marca na Lua...
Afinal, produtos são feitos nas fábricas, mas marcas são feitas na
mente. Nesse processo, tudo pode virar consumo; inclusive símbolos
revolucionários. Por que não?
Mao e Lênin apareceram nas bolsas da coleção primavera de 1999 da "Red
or Dead" e a imagem de Che, depois de acompanhar o rótulo da soda
"Revolution", causou turbulência, recentemente, no biquini de Gisele
Bünchen. Observando tudo isso, podemos perguntar: - "Nossos sonhos
terão marcas? Haverá uma grife em nossa alma?" Ou, de outra forma,
talvez fosse necessário perguntar: - "O quanto em nós não pode ser
vendido, negociado, calculado?"
"- A vida", diria alguém. Sim, a vida não pode ter um valor de troca. "-
A verdade", diria outro e, assim, sucessivamente. Entre o conjunto de
noções que nos constituem como humanos encontraremos algumas - a
dignidade, a justiça, o amor, a palavra empenhada, a solidariedade, o
cuidado com o outro, etc. - pelas quais nos reconhecemos naquilo que
temos de fundamental. Nenhuma delas tem algo a ver com o mercado. O que
há de substancial em nós, o que nos distingue e nos faz únicos, não está
à venda.
A política praticada nas modernas sociedades parece, cada vez mais, uma
esfera do mercado. Já se fala em "mercado político" para designar o
conjunto de interesses que podem ser mobilizados por essa ou aquela
proposta e as "opiniöes" de grande parte dos candidatos costumam
expressar apenas aquilo que já foi captado pelas pesquisas como
tendência predominante no senso comum. Promove-se, assim, o que foi
cristalizado pela irreflexão como "guia eleitoral". Não por outro
motivo, o que menos temos nas campanhas são opiniões e disputas entre
idéias ou projetos definidos. Para piorar o quadro, as próprias
eleições abrem um novo mercado: o mercado do aliciamento, da montagem de
exércitos de cabos eleitorais assalariados ou empregados na máquina
pública, da compra de votos, da distribuição de migalhas aos pobres. Ao
invés de idéias, publicidade; ao invés de manifestos, empregos; ao invés
do convencimento, tráfico de influências; ao invés do texto, a marca.
Houve um tempo em que tudo isso só se encontrava em partidos de direita.
Sim, houve um tempo.
Expressamos algo que subsiste de uma outra tradição. A tradição do
debate apaixonado e do engajamento em causas de relevância pública; a
tradição de militância nos movimentos sociais e de uma enorme disposição
de mudar a ordem das coisas; a tradição de enfrentar todos os temas e
de sustentar posições que nos pareçam corretas ainda que disto resultem
prejuízos eleitorais. Porque, para nós, a política deve ser concebida
como expressão de uma grandeza moral. Com essa determinação estamos
nas ruas, novamente. Se, por acaso, nos encontrarmos poderemos, quem
sabe, nos abraçar. Não contabilizamos abraços e não se inventou, ainda,
uma liquidação para beijos e outros afetos. O que sentimos quando amamos
não tem grife e sorrisos não podem ser alugados. Se, por acaso, nos
encontrarmos, haverá um brilho em nossas faces e uma alegria
adolescente. Nos preparamos, afinal, para mudar o Brasil e o nosso peito
continua pleno de estrelas. A propósito, as estrelas estão fora do
mercado. Por (Marcos Rolim & Flávio Koutzii) | | | | | |
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