"SOBRE O QUE NÃO ESTÁ À VENDA"

SOBRE O QUE NÃO ESTÁ À VENDA            
31 de julho de 2002
Estilistas da Nike vão ao Harlem e deixam seus tênis entre os garotos negros. Então perguntam: - "E aí, bro, que tal?" Ouvem atentamente e depois copiam o estilo das ruas encomendando sua produção a fábricas na Ásia. Em 1992, pagaram 20 milhões a Michael Jordan; mais do que a folha de pagamento dos seus 30 mil trabalhadores na Indonésia. Gap, Guess, Old Navy são marcas que distinguem roupas confeccionada por mulheres que podem viver, por exemplo, nas Filipinas. Nesse caso, deverão portar sacos plásticos para urinar junto as suas máquinas. Enquanto isso, etiquetas da Baby Gap transformam bebês em mini-cartazes e a Pepsi planeja projetar, um dia, sua marca na Lua... Afinal, produtos são feitos nas fábricas, mas marcas são feitas na mente. Nesse processo, tudo pode virar consumo; inclusive símbolos revolucionários. Por que não? Mao e Lênin apareceram nas bolsas da coleção primavera de 1999 da "Red or Dead" e a imagem de Che, depois de acompanhar o rótulo da soda "Revolution", causou turbulência, recentemente, no biquini de Gisele Bünchen. Observando tudo isso, podemos perguntar: - "Nossos sonhos terão marcas? Haverá uma grife em nossa alma?" Ou, de outra forma, talvez fosse necessário perguntar: - "O quanto em nós não pode ser vendido, negociado, calculado?" "- A vida", diria alguém. Sim, a vida não pode ter um valor de troca. "- A verdade", diria outro e, assim, sucessivamente. Entre o conjunto de noções que nos constituem como humanos encontraremos algumas - a dignidade, a justiça, o amor, a palavra empenhada, a solidariedade, o cuidado com o outro, etc. - pelas quais nos reconhecemos naquilo que temos de fundamental. Nenhuma delas tem algo a ver com o mercado. O que há de substancial em nós, o que nos distingue e nos faz únicos, não está à venda. A política praticada nas modernas sociedades parece, cada vez mais, uma esfera do mercado. Já se fala em "mercado político" para designar o conjunto de interesses que podem ser mobilizados por essa ou aquela proposta e as "opiniöes" de grande parte dos candidatos costumam expressar apenas aquilo que já foi captado pelas pesquisas como tendência predominante no senso comum. Promove-se, assim, o que foi cristalizado pela irreflexão como "guia eleitoral". Não por outro motivo, o que menos temos nas campanhas são opiniões e disputas entre idéias ou projetos definidos. Para piorar o quadro, as próprias eleições abrem um novo mercado: o mercado do aliciamento, da montagem de exércitos de cabos eleitorais assalariados ou empregados na máquina pública, da compra de votos, da distribuição de migalhas aos pobres. Ao invés de idéias, publicidade; ao invés de manifestos, empregos; ao invés do convencimento, tráfico de influências; ao invés do texto, a marca. Houve um tempo em que tudo isso só se encontrava em partidos de direita. Sim, houve um tempo. Expressamos algo que subsiste de uma outra tradição. A tradição do debate apaixonado e do engajamento em causas de relevância pública; a tradição de militância nos movimentos sociais e de uma enorme disposição de mudar a ordem das coisas; a tradição de enfrentar todos os temas e de sustentar posições que nos pareçam corretas ainda que disto resultem prejuízos eleitorais. Porque, para nós, a política deve ser concebida como expressão de uma grandeza moral. Com essa determinação estamos nas ruas, novamente. Se, por acaso, nos encontrarmos poderemos, quem sabe, nos abraçar. Não contabilizamos abraços e não se inventou, ainda, uma liquidação para beijos e outros afetos. O que sentimos quando amamos não tem grife e sorrisos não podem ser alugados. Se, por acaso, nos encontrarmos, haverá um brilho em nossas faces e uma alegria adolescente. Nos preparamos, afinal, para mudar o Brasil e o nosso peito continua pleno de estrelas. A propósito, as estrelas estão fora do mercado. Por (Marcos Rolim & Flávio Koutzii)      

Comentários

Postagens mais visitadas